quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Mãos...

Dotô, ói eu aqui! Óia pra eu por favor!!! Não quero tomar seu tempo não. Só peço que me ói, ói minhas mãos!
Já que o dotô pregunta, vô respondê: minha graça é Severino, seu criado! Sou casado, minha famia ficou lá em Fartura (tem esse nome porque farta tudo, e por isso é que tô aqui nessas suas terras). Faz mais de 6 meses que não vorto lá. A sardade da muié e dos mininus é grande. Quantu sãu? Sãu 9. É que agente casô cedo: eu tinha 17 e Lindarva 14, e nunca tivemu televisão; aí o dotô sabe ... Era quase um pu ano.
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Minha idade? 33. O dotô me dá quantu? Outro dia, me perguntaru se eu tava perto de pedir aposentadoria, aquela do funrurá. Acho que tenho cara de mais de 50. É o só dotô; o só acaba agente; deixa assim a pele queimada, parecendo a de Pelé. É doutor, o só cria e também mata!

O dotô é gentil. Agradeço a atenção. Vô indo dotô! O carro dos bóia-fria tá indo. Obrigadu dotô!

E cá fica o Doutor. Viu que além de Severino, naquele carro tinham mais de 50. Homens que como o Severino deixaram outras Farturas onde vivem suas famílias para venderem as forças de suas mãos. Restaram-lhes as mãos. Mãos calejadas, mãos que denunciam a aspereza do ofício do campo.

O Doutor olha pra si. Sua pele é hidratada, e exala o perfume das cidades. Ver que além das mãos para a caneta, a academia lhe concedeu vagas de mercado. O diploma de curso superior abriu portas, deu-lhe mais acesso a uma maior fatia do bolo. O sol, para ele, certamente nasce todo dia sorridente.

Depois da safra, do trabalho temporão, Severino pode não voltar pra casa no momento imaginado. O gato era um aliciador, o patrão um ladrão dissimulado. É preciso intervenção do Estado, fazendo valer as leis e o bom-senso.


ANTONIO FABIANO.

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